sábado, 3 de dezembro de 2011

NESTE COLO...






Existe coisa melhor que buscarmos em nós, o lugar de descanso? Aquele que
decididamente nos acolhe e conforta dentro de cada pessoa? É tão simples
assim mesmo... Soltar a imaginação e deixá-la fluir livremente quando de
nosso recolhimento. E lá fui eu para um tempo distante, ainda quando as
fotografias eram em preto e branco e as largas ruas de terra de minha cidade
traziam ainda a passagem de boiadas... Onde a simplicidade andava
abertamente no sorriso alegre das pessoas e as cercas de balaústres dividiam
os quintais cobertos de frutos. Fui ao colo de minha avô e lá de pronto o
entitulei de "meu lugar de descanso". Aquelas mãos ásperas me eram queridas
e parece que ainda as sinto por meus cabelos... Mãos que faziam o próprio
sabão no grande tacho e que estendiam as roupas no quarador gramal (na relva
que se estendia ao fundo do nosso quintal). Mãos que se juntavam nas tardes
longas de minha infância para a prece da Ave Maria. Vovó tinha a casca
bruta, porém o seu interior era lindo! Quantas surras ganhei daquelas santas
mãos e as ganharia novamente se preciso fosse... Pareciam beijos de quem
sempre me amou de verdade e tomá-las, às vezes, incrivelmente me confortava!
Era sinal de que eu estava no coração dela e que ela marcava presença em
minha vida. O colo de vovó era diferente... Era um recanto todo meu! Ali
sonhava com ela e entre longas conversas escutava as suas histórias; neste
mesmo colo eu dormia ao canto de sabiás, pombas-rolas, pássaros pretos,
coleiras, bem-te-vis... Ali sentia o cheiro das floradas dos laranjais, das
tardes de pamonhada e do café torrando... Neste colo eu me escondia das
notas ruins na escola, dos boletins que me incriminavam quase sempre! Vovó
era possuidora da minha alma e uma palavra dela era o suficiente para
colocar as coisas no lugar. Minha cúmplice por uma vida inteira e dona de
meu sono reparador. Quantas velas acendeu e quantas preces em meu leito...
Neste colo eu fui criança o tempo inteiro e acho que só ali eu era quem era,
sem representar em nada... Até hoje, quando procuro um lugar de descanso em
meu imaginário, torno ao colo de vovó. Escuto os sabiás, os bem-te-vis, as
coleiras... Sinto ainda o cheiro do café torrando e da pamonhada. Neste
colo, que não tenho, recebo do universo  todo regaço, como se dela fosse.
Ainda que escape algumas lágrimas de saudade, ganho forças para tornar à
realidade ! Neste colo, torno-me mais humano, mais justo, mais gente, sem
perder o menino que existe em mim. Busco as minhas origens e sei o quanto
vale as coisas pequeninas. Apesar de algumas lágrimas, o sorriso vence o
pranto quando das lembranças do ontem.




José Geraldo Martinez
Poeta, cronista, contista, arranjador, compositor, escritor.

2 comentários:

  1. Que coisa mais linda esta sua crônica, meu grande poeta e amigo!
    Há tanta ternura e verdade em suas palavras, que tbm eu pude me reportar ao passado e recordar com este mesmo zelo, esta mesma emoção, os afagos de minha querida avó, q nos deixou muito cedo.
    Vc é GRANDE, meu poeta, que nem mesmo um simples relato de uma passagem sua, poderia deixar de conter toda a grandeza que sempre emanou de seu espírito limpo e evoluído!
    É com a mesma admiração de anos, q eu te abraço hoje!

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